Paulo Ourives, histórias que ficam ...

Eu cheguei a pensar em não escrever essa semana. Até porque é muito difícil tentar escrever depois dos últimos acontecimentos. Perder a mãe e depois o pai, não é tarefa fácil para ninguém, principalmente para nós filhos que vivemos sempre atrás da barra das calças de quem nos pôs no mundo e nos deu a devida educação e orientação.
Mas depois de uma longa conversa com um idoso do Asilo do Carmo, percebi que havia uma coincidência entre as idades dos meus pais e o tempo entre o falecimento de ambos, 13 anos.
E foi isso que aos poucos foi me dando mais forças para escrever alguma coisa, nem que seja para contar de quantas coincidências havia em nossa família. A começar pelo número 9 (nove), já que eu, minha mãe e meu pai, nascemos respectivamente, nos dias 9, 19 e 29. Mas há ainda muito mais porque meu irmão nasceu no dia 1º do mês de setembro, que é o nono mês do nosso calendário.
Mas quando eu avanço nessas pesquisas e coloco as datas dos meus avós paternos, as coincidências e curiosidades aumentam. Meu avô nasceu no dia 1º de maio, e minha avó no dia 18 de julho. Portanto, minha mãe e minha avó, comemoravam seus aniversários juntos, primeiro minha avó e no dia seguinte minha mãe.
Quanto ao meu avô, a curiosidade se restringe aos dias da semana, porque eu faço anos no dia 9 de abril, meu pai em 29 do mesmo mês, e meu avô no dia do trabalho, em relação aos dias da semana, as datas passam a ser coincidentes e juntas, como por exemplo uma quarta, quinta e sexta, sendo que o meu aniversário é sempre o do meio.
Mas ainda há mais, quando vejo a data de nascimento do meu avô e do meu sobrinho, são datas invertidas. Meu avô no dia 1º de maio (5), e meu sobrinho no dia 5 de janeiro (1).
Talvez seja um bom motivo para dizer que numericamente sou um pouco supersticioso, e sempre que posso me coloco sempre perto de um número nove, ou faço qualquer mudança de vida, em abril de cada ano. Aliás todas as vezes que as mudanças de residência aconteceram nos meses de abril, tivemos bons resultados. Já nos outros meses, sempre tivemos problemas.
Bem que alguém poderia dizer que tudo isso são só bobagens, mas creio que são poucas as pessoas que ligam para os números e como eles são tão importantes para cada uma das famílias.
E foi por isso que resolvi escrever e contar algumas particularidades, já que nunca falei sobre isso com ninguém.
(...)
Agora por exemplo, às 15h32 da tarde de quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008, exatamente à mesma hora em que meu pai faleceu vou me dando conta da sua ausência, e do muito que ele fará. Entretanto queria apenas dizer que a caminhada até aqui foi longa, mas que nessa jornada tive a oportunidade de aprender muitas coisas com ele, e quantas vezes ele me deu lições sobre como deveria me portar diante das dificuldades da vida, principalmente quando tivesse que escrever uma matéria sobre algum assunto importante, ou quando desejasse usar as letras como forma de agredir alguém com uma crítica mais pesada. Sobre isso, ele uma vez disse que não valia a pena publicar uma crítica velada, mas que aquilo que colocávamos para fora, através das letras que digitávamos servia para botarmos para fora toda a raiva e ódio que tínhamos no coração. Mas depois o melhor que eu fazia era pegar aquela folha de papel dobra-la como uma bola de futebol, e dar-lhe o mais forte chute, para que ela fosse para um local bem mais distante do que poderíamos supor. Curiosamente já fiz algumas poucas vezes, e no final de tudo, só sentia em meu coração um alívio, e tudo clareava, e o ódio sumia de dentro do meu corpo.
Ele chegou a me dar outras lições, principalmente quando me contava sobre uma história antiga do tempo do Jornal dos Sports.
Havia uma então que nunca esqueci e essa sempre guardei em minha memória como uma lição de amor à profissão, aliada à amizade, companheirismo, dedicação e ética.
Ele ainda era um repórter do Jornal dos Sports, solteiro, residente no Leme, e num momento interessante do futebol carioca, Didi, havia desaparecido, para não assinar um contrato de renovação com seu clube, o Fluminense, já que ele tinha o desejo de jogar no Botafogo. Ninguém no Rio sabia do paradeiro do craque campista, até que meu pai ouviu a telefonista pensar alto e dizer que a prima dela era empregada de Didi.
Meu pai então, colocou-a contra a parede, e solicitou a informação do paradeiro da prima da telefonista. Até que ela condescendeu com a promessa de que meu pai não revelaria como ele iria encontrar Didi.
Ao saber que Didi estava em uma residência na Rio x Petrópolis, meu pai esperou pelo seu amigo do Jornal, um fotógrafo baixinho e forte, cujo nome não me vem à memória, mas que dirigia um carro esporte para duas pessoas naquela época. O que atualmente é comparado com o MP Lafer.
Mal o fotógrafo estava seu carro em frente ao jornal, meu pai já entrara no carro dizendo que era para ele subir a serra naquele momento. “Era um caso de vida ou morte”. Depois de um ligeiro debate, o fotógrafo (Ângelo, creio eu), resolveu aceitar a imposição do meu pai, e ambos seguiram para Petrópolis.
A casa onde Didi estava tinha um muro alto e logo meu pai reconheceu o local devido as descrições da telefonista. Fez o fotógrafo parar o carro, subiu no capô, depois no muro e de lá de cima viu Didi, repousando ao lado de uma piscina.
Com o latido dos cães, Didi fugiu para dentro de casa, e sua esposa, veio ver quem estava querendo pular o muro, e tinha assustado os cães. Ao saber que eram do Jornal dos Sports, Didi, aceitou falar para ambos e assim meu pai conseguiu ouvir tudo o que Didi estava sentindo e o seu desejo de jogar no Botafogo.
Depois de toda a entrevista, Didi pediu encarecidamente a ambos que não revelassem o local onde estava, já que não desejava dar mais entrevistas para nenhum outro órgão de comunicação.
Ao chegarem no Jornal dos Sports, meu pai entrou na redação da rua Tenente Possolo, gritando que tinha um furo, esteve com Didi. A notícia foi ouvida como uma bomba, e o silêncio tomou conta daquela redação, até que meu pai conseguiu tomar seu lugar em uma das inúmeras mesas da redação, datilografou sua reportagem de uma página com excelentes fotos do Ângelo, e o jornal então publicou a reportagem publicando como título o desejo do meia tricolor que desejava jogar no Botafogo. No dia seguinte, quando o jornal chegou às bancas, o alvoroço na cidade foi enorme, e o JS, como também é conhecido, esgotou-se rapidamente.
Diante de toda essa história aprendi muitas coisas. O desejo de estar sempre atento a tudo o que se passa ao meu redor, e as palavras pronunciadas e ditas no ar, mesmo que em tom mais baixo. Fora outras coisas como a responsabilidade e a vontade de lutar até o fim para dar a melhor notícia, ou ver uma partida de futebol sobre um outro prisma.
“Naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim”, é uma frase famosa do compositor Sérgio Bittencourt, mas que expressa de certa forma a falta que ele fará.
Mesmo assim, resignado diante dos caminhos tortuosos que é a vida, só me resta aceitar as imposições de Deus, e ficar na esperança de ver o dia em que voltaremos a nos reencontrar.
A meu pai, Paulo Ourives, a certeza de que o legado e as lições ficaram para sempre, guardadas em minha memória.
Descanse em paz!
Paulo de Almeida Ourives*
O autor é Bacharel em Comunicação Social com especialização em Jornalismo.