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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

“RESGATAR” OU “RECUPERAR”, A ARTE DE ENGANAR-SE COM AS PALAVRAS


De vez em quando uma dúvida paira no ar, é quando ouço alguém dizer que esta ou aquela instituição pretende resgatar aspectos culturais da cidade. Por isso reporto-me ao último carnaval em Campos dos Goytacazes, quando um dos coordenadores do carnaval foi para a televisão dizer que pretendia “resgatar” a beleza dos desfiles de corsos. Curiosamente, por ser pesquisador do Núcleo de Iniciação em Pesquisa Científica da Comunicação, NIPEC, coordenado pelo professor e Mestre, Orávio de Campos Soares, sempre ouvi dele uma lição, a de que “não se pode resgatar algo que já morreu”, porque a cultura ou as lembranças de um momento vivido não são resgatadas, mas relembradas ou rememoradas.
Desse modo, ao ouvir o tal coordenador do carnaval de Campos, fiquei com aquela idéia fixa na mente, esperando o momento certo para então pesquisar e procurar entender a diferença entre “resgatar” e “recuperar”.
Segundo o filólogo Aurélio Buarque de Hollanda “resgatar” significa,

1. Livrar de cativeiro; de seqüestro; remir; liberar. 2. Efetuar o pagamento de. 3. Obter a custa de sacrifício de. 7. Fazer esquecer; apagar. 8. Retomar; recuperar.

Enquanto, “recuperar” que também é pronunciada por alguns “entendidos” significa,

1. Recobrar (o perdido); adquirir novamente. 2. Reabilitar. 3. Restaurar-se, indenizar-se, ressacir-se.

Entretanto, quando desejamos manifestar o nosso desejo de que algo volte a ser exibido, como o desfile de corsos pela avenida, o correto seria dizer que pretende-se “rememorar”, dos antigos carnavais, o desfile de corsos. No Novo Dicionário Aurélio, “rememorar” significa,

1. Tornar a lembrar; recordar; relembrar. 2. Dar idéia de; lembrar, recordar.

Mas é bom esclarecer que dependendo das circunstâncias, não se consegue mais rememorar algo que já está perdido na memória de quem viveu àquele momento. Porque os tempos são outros e as pessoas que vieram depois não tiveram o hábito de manter a tradição dos desfiles. Até porque a mídia televisiva teve um papel fundamental na destruição de muitas atividades culturais quando propaga de forma massiva a cultura das grandes metrópoles para regiões onde o nível de conhecimento e discernimento das massas é muito reduzido, como o dos habitantes do norte e nordeste do país, que não possuem o entendimento necessário para filtrar as informações e separar suas riquezas culturais daquilo que vem de fora.
Há alguns meses atrás, acompanhando um trabalho de pesquisa pelo interior do município de Campos dos Goytacazes, atrás de redutos de quilombolas, descobrimos que os adolescentes da comunidade não dançam mais o Jongo, ou as danças dos seus ancestrais, porque não há mais pessoas com capacidade para passar essa cultura para a nova geração, e também porque além da televisão, as emissoras de rádio locais, executam em suas programações musicais, ritmos como o funk, rap, e o rock, cujas origens são bem diferentes da nossa.
Acredito que somente os remanescentes e descendentes das antigas tribos indígenas que vivem em pequenas comunidades espalhadas por esse país, e em locais de difícil acesso, é que conseguirão manter-se livres dessa aculturação massiva, porque estão bem distantes do centro urbano, e também porque em alguns casos não tem uma televisão para assistir.
Ao acompanhar a serie de reportagens feitas por Washington Novaes no Xingu, percebi que as tribos que ali vivem ainda mantém-se agarrados às antigas tradições culturais, e que essas tradições são passadas e transmitidas através de inúmeras gerações. Porque as crianças inocentemente brincam imitando o que os adultos fazem, e dessa forma acabam mantendo a prática dos seus rituais.
É claro que apenas uma das tribos corre o sério risco de ser engolida pela perda das suas tradições porque os seus membros desejam conhecer mais a cultura do homem branco, e já não aceitam manter-se presos as suas antigas tradições.
Só nos resta lamentar que a perda da identidade não acabe com o que temos de mais belo, e que está plantado no nosso âmago, como a identidade cultural, que fora plantada por nossos avós e bisavós porque como diz Ruy Barbosa “um país sem identidade cultural, é um país fadado à morte”.

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